Selo Diamante
Quinta, 15 Mai 2025

Na semana dos 50 anos da Comlurb e do Dia do Gari, profissionais que cuidam da limpeza do Rio revelam seus talentos artísticos

Com poemas, livros publicados e até prêmios recebidos, garis esbanjam criatividade e inspiram as pessoas, mesmo em meio à árdua rotina

Divulgação
Derlan Matos (foto), é gari há mais de 10 anos e descobriu talento como pintor. Abaixo, Valdeci Boareto, que é escritor, e Bruna Gomes, que já ganhou prêmio com poemas Derlan Matos (foto), é gari há mais de 10 anos e descobriu talento como pintor. Abaixo, Valdeci Boareto, que é escritor, e Bruna Gomes, que já ganhou prêmio com poemas

O Rio de Janeiro comemora, na mesma semana, duas datas que exaltam a força e a importância dos trabalhadores que cuidam da limpeza da cidade. Neste 15 de maio, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) completa 50 anos de existência. E nesta sexta-feira (16/05), o município celebra o Dia do Gari, data criada pela Câmara do Rio em 2010 para homenagear essa categoria tão querida pelos cariocas, formada por profissionais que, das ruas mais estreitas aos mundialmente conhecidos cartões-postais, zelam pela preservação do patrimônio público com seus tradicionais uniformes de cor laranja. 

Com um quadro de 19 mil funcionários — sendo 13 mil deles garis —, a Comlurb atua na conservação de praias, ruas, parques e avenidas há meio século. Varrem, capinam, recolhem resíduos para reciclagem e até fazem jardinagem. Estão presentes no cotidiano da cidade, em grandes eventos, no Réveillon, no Carnaval, após temporais — sempre prontos, em qualquer hora e lugar.

Mas nem só de vassouras, esfregões e máquinas de capinar vivem os garis cariocas. Por baixo do tradicional uniforme, há artistas com grandes talentos, como Valdeci Boareto. Durante seu trabalho na pandemia de Covid-19, ele decidiu se mudar para o interior. Lá, se lembrou de histórias de pessoas em situação de rua que trabalhavam como advogados e engenheiros, por exemplo, mas acabaram perdendo tudo. Com isso, surgiu a inspiração para escrever seu primeiro livro: “Comportamento Que te Salva”.

“Tudo começou na pandemia, naquele momento de dor e de perda. Eu perdi muitas pessoas, muitos amigos, acabei entrando em depressão. Eu vendi minha casa e fui morar no mato, perto de árvores, coqueiros”, conta Valdeci. “Resolvi começar a colocar no papel todas as histórias que eu ouvi na rua. Eram pessoas que muitas vezes tinham uma situação financeira boa, mas que tiveram que ir morar na rua. Isso me deixou um pouco pensativo sobre como poderia ajudar a sociedade”, explicou o escritor.

O livro aborda situações complicadas do cotidiano de trabalho que cada pessoa enfrenta, com lições sobre inteligência emocional, empatia e resiliência. A sua ideia é ensinar seus leitores a superar os dias difíceis.

História de vida em forma de poesia

Outro grande exemplo é a Bruna Maria Gomes, gari e poeta. Ela é moradora da Cidade de Deus, na Zona Oeste. Ela, que trabalha na limpeza do Hospital Municipal Lourenço Jorge há 18 anos, resolveu compartilhar suas histórias por meio de poemas. Neles, Bruna fala das dificuldades de viver na favela e de superação. Hoje, ela é membro da Academia Intercontinental de Artistas & Poetas (AIAP), aluna de Letras na UniRio e conquistou o Prêmio Destaque Literário - Melhores do Ano, entregue pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Além dos poemas, ela adianta que também está escrevendo um livro autobiográfico. “É sobre minha história de vida, minha trajetória, sobre ser uma mulher negra periférica, nascida e criada na Cidade de Deus e conseguir romper a bolha do sistema desse país”, conta. “É uma expressão gigantesca poder falar sobre resiliência, empatia, determinação e liderança feminina, poder inspirar pessoas”, detalha Bruna, que adotou a alcunha de Leoa Improvável para simbolizar a sua superação.

 

Arte nos muros

Já Derlan Matos, gari há mais de 10 anos, é um pintor de mão cheia. Ele começou meio por acaso, pintando um letreiro num muro branco da Comlurb, na Pavuna. Desenhou o logotipo tão bem que ganhou elogios dos colegas. Um deles, então, resolveu indicá-lo para outros serviços de pintura e decoração em lixões pela cidade, com a ideia de restaurar e dar uma roupagem nova para os ambientes. 

“Havia pontos em que as pessoas tinham que atravessar a rua para passar porque era muito lixo acumulado, aí eu chegava para dar um tratamento, colocava alguns pneus decorados, bonitinhos, pintava”, conta Derlan. “As pessoas julgavam às vezes, dizendo que eu estava perdendo tempo, mas eu pedia calma e dizia que estava trabalhando para promover uma mudança ali.”

Com o sucesso do seu trabalho, Derlan se vê satisfeito e feliz com a arte: “Vale a pena apostar na arte, na pintura, nos dizeres educativos. Nunca imaginei que, numa companhia que trabalha com limpeza de lixo, eu acabaria descobrindo e apresentando meu talento artístico. Faço com muita satisfação e muito orgulho”.

 

Novas homenagens

Na Câmara do Rio, os vereadores seguem atentos à valorização dos garis cariocas. Na última quarta-feira (14/05), foi aprovado em 1ª discussão o Projeto de Lei nº 531/2025, que declara a Comlurb como Patrimônio Imaterial da Cidade do Rio de Janeiro. O texto é de autoria do presidente da Casa, Carlo Caiado (PSD), e dos vereadores Márcio Ribeiro (PSD), Welington Dias (PDT) e Rosa Fernandes (PSD), junto com as comissões de Justiça e Redação, de Administração e Assuntos Ligados ao Servidor Público, de Cultura, de Assuntos Urbanos, de Trabalho e Emprego e de Obras Públicas e Infraestrutura.  

O reconhecimento conferido por esta Lei se estende à cultura de trabalho, ao conhecimento técnico e às práticas desenvolvidas por gerações de trabalhadores da Comlurb, em especial os garis, cuja atuação diária é símbolo de compromisso com a cidade. Mais do que varrer ruas ou recolher resíduos, a Comlurb cumpre uma missão essencial para a saúde pública, o meio ambiente e a imagem urbana da nossa cidade. Seu trabalho é silencioso, mas indispensável, invisível para muitos, mas absolutamente vital para todos”, afirmou Caiado na justificativa do projeto.

No mesmo dia, foi aprovado em 2ª discussão o Projeto de Lei Nº 15/2025, de autoria da vereadora Helena Vieira (PSD), que cria a Semana do Gari. Caso a proposta seja sancionada, deverão ser realizadas palestras, campanhas de conscientização e eventos educativos e culturais, com a finalidade de transmitir à população carioca mais conhecimento sobre o trabalho dos garis. 

“A inclusão da Semana do Gari no Calendário Oficial da Cidade representa um avanço significativo no reconhecimento desses trabalhadores. Essa semana não se limitará apenas a homenagens, mas abrirá espaço para o debate sobre temas fundamentais, como a melhoria das condições de trabalho, a segurança laboral, a importância da educação ambiental e o impacto da limpeza urbana na saúde e na economia da cidade”, explica a vereadora na justificativa. O projeto aguarda a sanção do prefeito Eduardo Paes.

 

Confira abaixo um dos poemas da gari e poeta Bruna Gomes:

 

“Leoa Improvável”

 

Que lindo ver a invisibilidade ficar visível,

Celebração no lado desfavorável, quem conheceu a dor de viver às margens,

Sem matar, roubar e nem pedir nenhum trocado,

Logo então, o que ela fez?

Nasceu pobre, sentenciada por um sistema que só aplaude quem nasce em Ipanema,

Mas saiu o resultado, eu fui aprovada,

Agora como será? Já vejo alguns olhares desconfiados, como pode?

Preta , parda, pegar três ônibus para chegar aqui, sentar do meu lado

Ouvi uma fala muito infeliz, alguém tão pobre, tão pobre de espírito,

Não sabe quem eu sou, o que passei, enfrentei para chegar até aqui,

Mandando eu trancar minha matrícula e ser feliz? Racismo estrutural,

Disfarçado de cuidado, já vi que incomodo um atrasado,

Nasceu em berço diferenciado, porém não sabe o que é felicidade,

Para quem mora do outro lado, talvez deve ter pensado “é apenas uma cotista”,

Para que frequentar a faculdade ainda?

Olha moço, você não conhece o que é determinação,

Nem vem diminuir minha conquista com seu desprezo de barão. Barão?

Talvez seja um emergente, cresceu um pouquinho e já quer passar por cima do pequenininho.

Pequeninho? Talvez uma ‘leoa improvável’ acabe sendo um problema,

Como vai ficar o nosso dilema? Faculdade federal é só para os de Ipanema?

Não tem problema, não precisa se chegar, só saia da minha frente e deixa eu passar.

Eu sou gigante, cresci na periferia, pai morreu aos 19 anos, já pensou que foi tiro, né?           

Acidente fatal, um carro, um cavalo, mero mortal,

Hemorragia interna foi o laudo do hospital.

Entretanto, dentro de mim, ardia a vontade de dar a volta por cima,

Apenas 5% dos pardos, pretos, concluem o ensino médio,

Não queria fazer parte dessa triste estatística, mas chegou o dia de ter que fazer, de repente.

Para me defender do colonialismo implantado no Brasil, que pelo jeito não tem jeito,

Eu sou Bruna Maria Gomes, nascida e criada na Cidade de Deus,

Porém não aceito o limite do sistema.

Hoje entro no quintal imperial  de maneira legal e honrosa

Uma leoa faminta e rugindo alto, pelo meu direito e dignidade demonstrado nessa prosa.

 

 

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Última modificação em Quinta, 15 Mai 2025 16:25
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