A Comissão Especial de Combate ao Racismo da Câmara do Rio realizou, nesta quarta-feira (28), audiência pública para debater o tema “Combate ao Racismo na Política Municipal de Educação”. Presidida pela vereadora Monica Cunha (PSOL), a audiência contou com a presença do vereador Edson Santos (PT), membro do colegiado, e de representantes do Poder Executivo, de movimentos sociais e da sociedade civil.
Presidente da comissão, Monica Cunha lembrou que, somente no início do século 21, a Lei nº 10.639/2003 e a Lei nº 11.645/2008 tornam obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares. Contudo, segundo a parlamentar, a execução passa por obstáculos. “Faltam formação, suporte, materiais didáticos qualificados, melhores condições de salários e suas cargas horárias muitas das vezes levam profissionais à exaustão”, ressaltou.
A parlamentar ainda reforçou que o combate ao racismo na educação deve ser prioridade agora e para os próximos anos. “O racismo tem impedido, agredido e ceifado vidas já no ciclo básico, na educação infantil. Estamos aqui para propor, discutir e conduzir encaminhamentos para que a Prefeitura do Rio e a Secretaria Municipal de Educação cumpram seu papel e se comprometam realmente com as mudanças necessárias”.
Educação antirracista
No âmbito do município, a Secretaria Municipal de Educação (SME) criou, desde 2021, a Gerência de Relações Étnico-Raciais, com intuito principal de acompanhar a implementação das leis federais nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008 nas escolas. A assistente da gerência, Luciana Guimarães, explica que o trabalho leva em conta os debates mais aprofundados sobre as relações étnico-raciais dentro da escola, que devem se dar de forma interdisciplinar e transdisciplinar, ao invés de apenas ocorrer em momentos pontuais e datas comemorativas.
“Temos na rede pública de ensino mais da metade do alunado formado por estudantes autodeclarados negros. As características culturais de território estão em evidência dentro do espaço escolar e isso precisa ser aproveitado no cotidiano para que o trabalho com as relações étnico-raciais seja desenvolvido”, explicou a gestora.
Já Luan Ribeiro, da Gerência de Relações Étnico-Raciais, apresentou dados sobre a rede municipal de educação do Rio de Janeiro. Hoje, segundo ele, dos 620 mil matriculados, 354 mil são registrados como negros. “Precisamos entender o público para depois pensar em políticas públicas para este público. As políticas públicas, os conteúdos didáticos e os materiais escolares precisam atender a esta população”.
Ribeiro afirmou que, desde 2021, a gerência vem tentando, através de formações, ações, seminários, programas e cursos, atender as demandas dos profissionais da rede sobre a formação para a educação das relações étnico-raciais. Até o momento, foram 24 mil profissionais impactados. “Tentamos, de alguma forma, aproximar a temática nas salas de aula e bancos escolares”.
Ele ainda destacou números que comprovam o racismo estrutural na rede municipal de ensino. “Percebemos que, quanto maior o cargo nas escolas, mais branco ele fica”. Nas unidades escolares, 63% dos agentes de apoio de educação infantil são autodeclarados negros, ante os 35% brancos; já na direção, 50% são negros e 50% são brancos. “Precisamos pensar e colocar a educação antirracista no orçamento para que possamos, de fato, efetivar a educação antirracista no município”.
Currículos e conteúdos adequados nas escolas
Para o professor do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ), Nadson Souza, é inadmissível que os processos educacionais ainda não tenham feito uma reflexão sobre os territórios educacionais orientados às populações quilombolas e indígenas, adequando seus currículos escolares, hoje com base no modelo de escolas eurocêntricas. “O Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro e Indígena tem como atribuição acompanhar os processos pedagógicos e a transparência na aplicabilidade das leis. Após aproximadamente mais de uma década, precisamos ainda lutar para que a lei de cotas não seja burlada em concursos para docentes e no ingresso de alunos nas universidades e no ensino médio das escolas federais”.
Mariana Maia, professora da rede municipal, acredita que a educação antirracista é uma oportunidade de reparação histórica com o povo negro. “É possível realizar uma reparação histórica com as gerações atuais e vindouras, com o direito a uma educação onde saibamos o imenso valor da história e das culturas afro-brasileira e indígena”, defendeu.
Para a professora de História da rede municipal de ensino, Keila Gomes, apesar dos avanços com as leis e a criação da gerência, é preciso outras ações que combatam o racismo, pois este impacta diretamente na evasão escolar e na repetência. “A implementação das leis já é um avanço, só que a gente precisa de mais. A gerência faz um trabalho muito importante, mas, por uma questão de direito à cidade, não chega à Zona Oeste. Até mesmo quantos os professores querem fazer curso de capacitação, não tem dispensa de ponto”, revelou.
Ana Paula Simões contou sobre o trabalho de valorização do território realizado com as escolas da 5ª Coordenadoria Regional de Educação, que fica no entorno de Rocha Miranda, Madureira e Oswaldo Cruz, berço do samba, e engloba a região de alguns quilombos, como a Casa do Jongo, e do primeiro grupo afro, o Agbara Dudu. “A gente tem um grupo de estudos de 131 unidades escolares e as trouxemos para conhecer as identidades plurais que tinham ali. A partir de então, traçamos metas, fizemos um plano de ação e hoje os professores e a direção das escolas trazem esses espaços e territórios para o cotidiano escolar.”
Estratégias diferenciadas
Segundo a vereadora Luciana Boiteux (PSOL), membro da Comissão de Educação da Câmara do Rio, metade dos mais de 910 mil alunos que deixaram as escolas estaduais e municipais do país em 2018 eram pretos e pardos. Além disso, o índice de reprovação dos alunos pretos, pardos e indígenas se encontra entre de 9% a 13%; já o índice dos brancos totaliza 6,5%. “A luta pela igualdade na educação é por melhoria na condição de acesso e permanência na rede pública. Temos que ter uma estratégia diferenciada de inclusão e apoio para mudar essa realidade”, sinalizou a parlamentar.
Como encaminhamentos, Monica Cunha sugeriu a regulamentação da Gerência de Relações Étnico-Raciais como órgão permanente da SME, a realização de campanhas periódicas de conscientização e combate ao racismo no ambiente escolar, além da formação continuada de todos os profissionais da rede de ensino municipal. A parlamentar defendeu ainda que sejam apurados os dados estatísticos referentes ao quantitativo de alunos negros, pretos, pardos e indígenas e da evasão escolar.
Participaram da audiência pública a vereadora Monica Benício (PSOL) e a deputada estadual Dani Monteiro.